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O pesquisador e professor de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Juliano Vargas fala sobre as mudanças no mercado de trabalho durante a pandemia

O pesquisador e professor de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Juliano Vargas, estuda o mercado de trabalho local desde sua chegada ao estado. Natural de Caxias do Sul, o economista leciona na UFPI, incluindo o Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da universidade, desde 2019, quando ingressou na instituição por meio de concurso público. Além disso, ele também atua junto a Secretaria de Estado do Planejamento (Seplan).

Com sua formação acadêmica voltada para a economia do trabalho, o docente encontrou no estado uma área ainda com muito a ser explorado.

Nas linhas que seguem abaixo, Juliano Vargas fala sobre as mudanças no mercado de trabalho, desde o registro dos primeiros casos de covid-19 no Piauí e quais as perspectivas para um futuro pós-coronavírus.

 

Você tem estudado a economia piauiense desde março do ano passado, quando a pandemia do novo coronavírus registrou seus primeiros casos no Piauí. Qual o diagnóstico notado durante esse período e quais as perspectivas para o futuro?

Quando começou a pandemia, eu estava fazendo uma carta de conjuntura. Primeiramente eu fiz só, dentro do Departamento de Economia, com o auxílio e leitura dos colegas, então tem uma boa quantidade de material. E hoje eu tenho realizado um trabalho com o Governo do Piauí, dentro da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (Cepro), com o boletim de mercado de trabalho trimestral piauiense.

As perspectivas para o mercado de trabalho no estado não são as melhores, neste momento. A gente tem um mercado de trabalho bastante deprimido e dependente do ritmo de vacinação, que é relativamente lento. Então a tendência é que a gente veja alguma melhora no médio e longo prazo, mas dependente de um outro contexto, o de eleições, que possui suas peculiaridades. Sem uma vacinação em massa, vamos ter dificuldades em travar de maneira mais firme essa possibilidade de melhorar, tanto no mercado de trabalho, quanto na economia como um todo.

 

Ainda sobre essa “economia de trabalho”, a capital, Teresina, parece ter a particularidade de se destacar no mercado de serviços. Neste sentido, o período de pandemia trouxe alguma alteração estrutural neste setor, em especial na utilização das plataformas digitais?

Esse é um dos questionamentos mais importantes para entendermos o momento que estamos vivendo. Teresina é sim muito voltada para a questão do comércio e serviços. Não possuiatividade industrial robusta, não possui muito turismo e a atividade agrária é concentrada no sul do estado. Mas a capital tem recursos que possuem força na dinâmica e magnitude do estado, com relação a administração pública. Tanto a Prefeitura, como o Governo do Estado tem importância.

Quanto ao mercado de trabalho em si, a grande modificação que está sendo verificada, não só no estado, mas como um movimento nacional e até mundial, é que cada vez mais nós temos o crescimento do que se convencionou chamar de economia sob demanda, muito voltada para os aplicativos, em que a jornada de trabalho fica cada vez mais flexível. É a ideia de que as pessoas são empresárias de si mesmo e quanto mais horas elas tiverem dispostas a trabalhar, maior é a possibilidade de elas aferirem uma renda.

Um contraponto que eu faria a isso é que se percebe cada vez mais pessoas participando desse mercado, sobretudo os serviços de entrega. Dessa forma, o setor vai ficando cada vez mais cheio de pessoas atuando, o que deságua no não aumento da renda desses trabalhadores, porque há uma competição entre as pessoas que atuam com esses aplicativos. Esse é um cenário bastante complexo.

 

Sob a perspectiva de quem estuda economia, essas plataformas digitais e a grande adesão a essa modalidade laboral, dizem mais respeito a abertura de novos postos de trabalho, ou a sintomática da falta de vagas formais? 

Esse cenário tem prós e contras. Os prós é que entre você não ter renda nenhuma e ter alguma renda na pandemia é melhor você ter uma atividade em que você consiga ao menos fazer frente às necessidades mais básicas. Por outro lado, muitas dessas pessoas foram praticamente obrigadas a fazerem isso por não ter opção, a chamada empregabilidade por necessidade. Haja visto, por exemplo, que boa parte das pessoas que foram trabalhar com aplicativos de entrega, que demandam a necessidade de possuir uma moto, se endividaram para comprar o meio de produção necessária e atuarnesta atividade. Então acabaram se endividando para poder ter uma renda, o que é algo paradoxal.

Isso acaba levando a uma situação de precarização laboral, em relação ao que havia antes da pandemia: pessoas com termos formais e menos arriscados. Esse é um problema que vamos ter de lidar a médio e longo prazo. Em outras esferas, já estamos vendo o resultado disso, como o aumento de acidentes de trânsito, por exemplo.

Existem estudos que apontem para esse aumento no número de motocicletas adquiridas durante o período da pandemia?

Na verdade, nós temos números da Abraciclo, que é voltada para estudos e difusão de pesquisas sobre veículos sobre duas rodas. Lá fica bastante claro uma elevação*. É interessante que, em geral, a venda de veículos motorizados caiu, mas o seguimento de motocicletas, especificamente aquelas de baixa cilindradas, aumentou substancialmente, o que corrobora o argumento anterior.

Há estudos sobre as possibilidades dos pontos negativos aqui abordados, como a precarização das situações de trabalho, serem superados a curto ou médio prazo?

Sempre que surge uma nova tecnologia, ele tende a “bagunçar” o que está estabelecido. A grande questão sobre os aplicativos é se eles se configuram como um trabalho em que a pessoa é “empresária de si mesmo”, quase como autônoma, e aí não há porquê ter grande legislação trabalhista em suporte, ou se a pessoa é um empregado. Essa é a grande discussão que a nossa legislação ainda não deu conta.

A gente tem tido alguns casos específicos, inclusive nos países mais desenvolvidos, como a Inglaterra, que há pouco regulamentou o uso dos aplicativos, em alguns seguimentos específicos, como uma atividade de emprego formal, em que você está sujeito a pagar os impostos (enquanto empregador), no caso do dono do aplicativo. E aquele que trabalha para o aplicativo passa a ter direitos trabalhistas garantidos, dentro da legislação inglesa.

Esse é o grande debate atual e nós temos um problema em relação a isso. Por exemplo, a pessoa que trabalha através dessas plataformas, se não pode trabalhar em determinado dia, ela simplesmente não afere renda, seja por doença ou qualquer outro motivo justificável. Se ela se acidentou, fica fora do mercado de trabalho e não tem nenhuma possibilidade de ser amparada, do ponto de vista da empresa que oferta o aplicativo.

Em suas defesas, essas empresas alegam que só oferecem o algoritmo para que o ofertante e demandante daquele serviço façam suas transações, mas o que nós temos visto cada vez mais é que não funciona bem assim. Tanto que a empresa tema faculdade de excluir aquele motorista, entregador, sem dar maiores detalhes, para ficarmos em um único exemplo. Isso, por si só, já incorreria em uma infração ao direito trabalhista, caso ele fosse assim entendido pela jurisprudência.

Mas a tendência é que, ao longo prazo, isso ser melhor decantado e as bases forem sendo estabelecidas de modo a equilibrar melhor essa relação. É algo necessário para o bem da sociedade, já que tantas pessoas estão trabalhando e cada vez mais a tendência é essa, uma economia sob demanda.

 

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*Dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) apontam que a produção de motocicletas no Polo Industrial de Manaus aumentou 45%, se comparada ao mesmo período do ano passado. Segundo a entidade, no mês de junho foram produzidas 105.450 unidades, 1,6% a mais do que em maio (103.792) e 35% a mais do que em junho de 2020 (78.130).

O pesquisador e professor de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Juliano Vargas fala sobre as mudanças no mercado de trabalho durante a pandemia